quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Os momentos finais de um ateu.

O senhor Augusto Seabra era uma pessoa letrada, toda a sua vida foi pautada pela bondade, era de boas famílias e tinha passado muitos anos a estudar na metrópole. Onde todos queriam estar mas de onde ninguem queria vir mas ele fez o impensável… regressou ás origens, pois nessa altura todos aqueles que saíssem para estudar deixavam-se seduzir muito facilmente pelas iguarias e atracções das grandes cidades, onde era fácil a adaptação, e nunca mais regressavam à terra que o viu nascer a não ser apenas de visita. Mas com o senhor Seabra não foi assim, antes pelo contrário, foi o primeiro a regressar, nunca trocaria a paz e as paisagens imaculadas da sua terra por nada deste mundo.

Mas ninguém que saísse voltava igual ao que era, e isso, numa terra do interior, onde as pessoas eram por o ser, não punham nunca em causa os seus ensinamentos, porque para eles tudo tinha uma razão de ser e, se lhes ensinaram assim, é porque assim deveria ser.
Já para o senhor Seabra, letrado e com muita vontade de aprender ainda mais, as coisas eram bem diferentes e se algo nele mudou, foi isso mesmo, o não aceitar só porque lhe dizem para o fazer, mas tinha sempre de compreender o porquê, e em pouco tempo começou a mostrar a sua nova faceta.
Tinha-se tornado um ateu. Ele, que tinha lido varias vezes a Bíblia, leu também o Corão e o Tora por curiosidade e concluiu que as ideias de todos os profetas da história há muito se tinham perdido, o Homem tinha deturpado e destorcido de tal maneira a sua mensagem que se Cristo regressasse à terra não reconheceria a religião que dá o seu nome. Esquecemos os ideais e valores de bondade, e trocamo-los por polémicas, como o aborto, o preservativo, os casamentos gays, estavam o tempo todo a falar da vida dos outros e pouco a pensar na sua.
E foi aí, que o senhor Seabra decidiu que o que melhor lhe acentava era ser ateu, pois para ele nada do que a religião apregoava fazia sentido e, por isso, tomou a decisão de deixar de frequentar a igreja. Para ele isto não tinha nada de extraordinário, mas o mesmo não se aplicava aos seus conterrâneos e familiares, pois para eles era um pouco difícil de aceitar a sua decisão. No entanto, com o passar do tempo as pessoas começaram a aceitar a sua opção, que por sua vez, nunca pôs em causa o facto do senhor Seabra ser boa pessoa.
Os anos foram passando e, já no fim da sua vida, essas dúvidas religiosas começaram a atormentar os seus pensamentos, pois aceitar a religião não lhe faria mal algum.
Já no seu leito de morte, o senhor Seabra pediu aos familiares para que lhe chamassem um padre, um imã, e um rabino. A família encarou esta situação como se ele, finalmente, fosse fazer as pazes com a religião, antes de partir, e como uma pessoa culta queria saber qual das religiões seria a mais apropriada às suas convicções.
Mas lá na terra, todo mundo ficou intrigado e comentavam:
- Pois, pois, na hora da verdade, até os descrentes se agarram ao que podem. Coitado deve estar com medo de partir para o desconhecido!
- E mesmo quem pensa que tudo sabe, na hora da verdade, vê que não sabe é nada!!!
Uns diziam que estava arrependido de ser ateu, ou que se calhar, só se ia confessar e pedir a extrema unção, como é normal para os católicos, outros diziam que ele não queria deixar nada ao acaso e ia pedir perdão a todas às (três) religiões, pois “quem é que nos garante o que estará do outro lado”, e pelo sim e pelo não, chamou também um rabino e um imã.
A família lá lhe fez a vontade e, um a um, os líderes das respectivas religiões entravam no seu quarto, onde o senhor Seabra estava deitado. Enquanto isso a família aguardava muito curiosa do lado de fora. Cada um deles esteve lá dentro durante uma meia hora e saía directamente para a rua sem dizer uma única palavra que fosse à família, como costumam dizer, entravam mudos e saiam calados, apenas se podia reparar no ar consternado que cada um carregava à saída.
Isso só serviu para aumentar a curiosidade da família.
Entrou o rabino e saiu apressadamente mudo. Depois entrou a imã e a cena repetiu-se. Por fim, entrou o padre, mas também esse fez o mesmo. Todos eles saíram sem dizer uma palavra que fosse.
Então, chamou os familiares que apressadamente entraram, pois já não aguentavam a ansiedade, tamanha era a sua curiosidade. Aí, o senhor Seabra começou a falar.
- Minha querida família, a minha hora está a chegar e como vocês sabem sempre fui ateu.
E subitamente foi interrompido por um familiar.
- Mas agora já não é? e então que religião escolheu?
- Calma! Calma! Deixem-me falar. Bom, estava a dizer, sempre fui ateu e mandei chamar estes líderes que vós vistes. Embora nunca tenha acreditado em nada, não há forma de saber o que estará do outro lado e, quanto mais nos aproximamos do fim, mais pensamos se fizemos a escolha acertada, como é natural o ser humano ter estas dúvidas. Falei com os três e expus-lhes as minhas incertezas, ouvi atentamente as explicações que me deram e cheguei a uma conclusão.
Quero dizer-vos que não podia estar mais certo da minha escolha, só precisei de uns momentos com eles para ver que realmente não tenho razão para ter medo. Todos estavam mais preocupados com a minha conversão à sua religião, com o intuito de lhes deixar alguma coisa em herança, e nenhum se preocupou com a minha alma, em nada diferente de vós meus queridos. Esta gente há muito que esqueceu os valores e os princípios das respectivas religiões. Por isso serei ateu até ao fim.
Sabem Jesus perguntou aos apóstolos.
“Tenho 100 ovelhas e uma delas tresmalhou-se, o que devo fazer? Contentar-me com as 99 e esquecer a que se perdeu, ou deixar as 99 e procurar a que se tresmalhou?
Todos os apóstolos lhe disseram para seguir com as 99, porque essas eram seguras e mais valia 1 pomba na mão que 2 a voar”, mas Jesus disse o contrário, “pois as 99 estão bem, a que se perdeu é que precisa de ajuda.”
Estes são os valores que deviam ser constantemente relembrados e que há muito se perderam.
O problema da religião é que foi criada para e pelos homens, que como sabemos, destrói tudo aquilo em que toca.
E se estiver errado na minha escolha, estou certo que Ele perdoará este velho ignorante, que honestamente se enganou, porque se numa coisa estamos todos de acordo, é que o mais importante é ser uma pessoa justa e bondosa, e isso foi o que sempre tentei ser.
Assim sendo, posso ir descansado.

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